domingo, 17 de janeiro de 2010

É Possível Reduzir a Radiação

Em trabalho apresentado no congresso do Radiological Society of North America (RSNA) no final do ano passado, ficou demonstrado que em certos tipos de pacientes é factível realizar angiotomografia de coronária de boa qualidade com a voltagem de 100 kV, ou seja, com menor dose de radiação. Foram estudados 103 pacientes, metade realizou o protocolo com 100 kV e a outra metade com 120 kV. A utilização de 100 kV implicou em uma dose de radiação (7.1 ± 2.4 mSv) 47% menor do que a dose resultante dos exames que utilizaram 120 kV (13.4 ± 5.2 mSv). A menor dose de radiação não implicou em perda da qualidade da imagem, com contrast-to-noise ratio semelhante nos dois grupos. Em avaliação subjetiva, as imagens com 100 kV foram classificadas como excelentes em 86%, boas em 9% e aceitáveis em 3%.

Importante salientar que o estudo se restringiu a pacientes não obesos e com pouca calcificação, portanto estes dados são aplicáveis apenas a este tipo de paciente.
Desta forma, o nível de radiação, não é uma variável fixa. Diferentes medidas podem ser tomadas na prescrição do protocolo de aquisição de imagem, a fim de reduzir este potencial dano ao paciente. A dose de 7 mSv obtida neste estudo não é desprezível, porém é muito menor do que a média de 22 mSv descrita no estudo observacional mencionado na postagem anterior. Ou seja, no mundo real provavelmente a dose recebida de radiação pode estar maior do que o realmente necessário.
Este estudo está disponível ahead of print no European Journal of Radiology:
Feuchtner G, Hiehs S, Soegner P, et al. Radiation dose reduction by using 100-kV tube voltage in cardiac 64-slice computed tomography: A comparative study. Eur J Radiol 2009; DOI:10.1016/j.ejrad.2009.07.012.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Como Interpretar o Escore de Cálcio

Está bem estabelecida a associação entre o nível de calcificação coronária e a incidência de eventos cardiovasculares. Esta associação é independente dos fatores de risco clássicos e estudos de coorte prospectiva demonstram que o escore de cálcio agrega algum valor à predição de risco obtida pelo Escore de Framingham (incremento na estatística-C de 0.05). Normalmente o escore de cálcio é interpretado por uma tabela que descreve a relação entre a categoria de calcificação e a probabilidade de eventos cardiovasculares em 10 anos. Porém esta metodologia é demasiadamente simplória. Devemos nos lembrar que não é só o escore de cálcio que tem valor prognóstico independente do Framingham. O Escore de Framingham também tem valor prognóstico independente da calcificação. Portanto, a interpretação do escore de cálcio deve levar em conta a probabilidade de eventos estimada pelo Framingham. Mas como fazer isso?
Modelos matemáticos provenientes de análises multivariadas fornecem os coeficientes de regressão de cada característica do paciente, ou seja, o peso do escore de cálcio e de cada fator de risco na predição da probabilidade de um evento cardiovascular (BMC Medicine 2004, 2:31). Utilizando estes modelos consideramos o quadro clínico e o escore de cálcio para estimar o risco.
Por exemplo, imaginem um homem de 60 anos, hipertenso, tabagista, colesterol LDL = 150 , HDL = 40. De acordo com o Escore de Framingham este paciente tem o risco de 29% em desenvolver um evento cardiovascular nos próximos 10 anos (risco alto). Se o escore de cálcio dele for zero, significa que seu risco é baixo? Não, pois calculando o risco integrado (cálcio + Framingham) o risco dele fica em 12%, ou seja, é intermediário. Mesmo sem nenhum ponto de calcificação.
Por outro lado, um homem de 40 anos, sem fatores de risco (baixo risco de Framingham), com escore de cálcio = 400 não tem alto risco. Ele tem risco intermediário, ou seja, 12%.
É simplesmente a integração baseada em ciência da clínica com o exame completar.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Critério com a Radiação

Mais um trabalho chama atenção da necessidade de ponderar o benefício da informação trazida por um exame de tomografia computadorizada versus o risco de câncer atribuível à radiação recebida pelo paciente. No último número dos Archives of Internal Medicine (2009;169(22):2078-2086) está publicado o trabalho Radiation Dose Associated With Common Computed Tomography Examinations and the Associated Lifetime Attributable Risk of Cancer. Os autores descrevem o nível de radiação de diferentes tipos de tomografia e avaliam o risco a partir do Biological Effects of Ionizing Radiation (BEIR) VII Report. Este documento estima o risco de câncer atribuível à radiação ionizante, tendo como base a experiência de sobreviventes de acidentes em usinas nucleares e bombas atômicas. Vamos tomar como exemplo a angiotomografia de coronária. Em 34 exames avaliados no presente estudo, a mediana da dose de radiação foi 22 mSv. Desta forma, estima-se que ocorrerá 1 caso de câncer em cada 270 exames realizados em mulheres de 40 anos e 1 caso para cada 595 homens de 40 anos. Devemos salientar que o estudo não descreve o tipo de tomógrafo utilizado e sabemos que com a tecnologia de 64 fileiras de detectores a radiação pode ser mais baixa que isso, em torno de 12-15 mSv. Mesmo assim, isso não é desprezível, precisamos ter critério.
Por fim, devemos lembrar que o risco não se limita ao raio x. Exames de cintilografia também oferecem radiação. Por exemplo, há quase quatro décadas os cardiologistas vêem banalizando a indicação de cintilografia miocárdica, cuja dose de radiação chega a 15 mSv no caso do Tecnécio.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Raciocínio Probabilístico

O caso descrito na última postagem é um bom exemplo de como o raciocínio probabilístico pode deixar o clínico mais seguro quanto a suas conclusões, principalmente quando os exames mostram resultados contraditórios. Primeiro começamos pela probabilidade pré-teste de DAC obstrutiva. Utilizando o modelo proposto por Prior et al (Annals of Internal Medicine 1993;118(2):81-90), que utiliza dados clínicos simples, estimamos que a probabilidade pré-teste de DAC é 16% nesta mulher de 46 anos, com dor atípica. Ela fez uma cintilografia miocárdica que foi positiva para isquemia. O quanto este resultado muda a probabilidade de doença? Considerando a razão de probabilidade positiva da cintilografia de 3.6 (J Nucl Cardiol 2005;12:530-7), e aplicando o Nomograma de Fagan, esta mulher passa a ter probabilidade de DAC obstrutiva de 57%. Aumentou, mas não suficiente para que o médico se convença do diagnóstico. Então foi solicitado um angiotomografia, cujo resultado foi normal. O quanto este resultado muda a probabilidade de doença? Considerando a razão de probabilidade negativa da angiotomografia de 0.19 (Miller J. NEJM 2008;359:2324-2336), e aplicando o Nomograma de Fagan, esta mulher passa a ter probabilidade de DAC obstrutiva de 11%. Portanto, concluímos que a presença de DAC obstrutiva é improvável. Após a cintilografia positiva, ficou clara a utilidade da tomografia. Porém tem um a questão anterior a esta: precisávamos mesmo ter solicitado a cintilografia miocárdica como investigação?

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Coronárias Normais





Figura 1. Descendente Anterior (MPR Curvo)
Figura 2. Circunflexa (MPR Curvo)
Figura 3. Coronária Direita (MPR Curvo)
Probabilidade pré-teste estimada em 16% baseada em dados clínicos.
Cintilografia miocárdica positiva para isquemia em parede anterior.
Escore de Cálcio = Zero